São Paulo — Com taxa de desemprego de 5,8%, a menor já registrada no país, e 39 milhões de trabalhadores com carteira assinada no setor privado, o Brasil vive um paradoxo: empresas relatam dificuldade crescente para preencher vagas que exigem qualificação específica, o que retém bilhões de reais em projetos de expansão.
A contradição do pleno emprego
Levantamento do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre) indica que 30,6% das empresas de infraestrutura apontam a falta de profissionais capacitados como o principal entrave para novos investimentos. O cenário não é isolado: pesquisa global da BDO mostra que 28% dos executivos veem a escassez de talentos como um dos três maiores riscos aos negócios, mais que o dobro do registrado no ano anterior.
Para Guilherme Oliveira, CMO da plataforma de recrutamento Gupy, “não basta haver a vaga; é preciso que ela seja atrativa e acessível”, observando um descompasso entre expectativas salariais e ofertas das empresas.
Emprego em alta, riscos à frente
No primeiro semestre de 2025, o Novo Caged registrou 1,22 milhão de postos formais criados, média superior a 200 mil por mês. Segundo Rafael Perez, economista da Suno Research, o mercado de trabalho robusto impulsiona o consumo e sustenta a atividade econômica.
No entanto, as taxas elevadas de juros acendem alertas. O sócio da Portofino Multi Family Office, Thomas Giuberti, avalia que, com a desaceleração prevista da economia, “as condições do mercado de trabalho tendem a piorar”. O Bradesco projeta queda da criação líquida de empregos para menos de 100 mil vagas mensais nos próximos meses.
Fatores estruturais agravam o quadro. A alta rotatividade — estimulada por diferenças salariais de R$ 400 a R$ 500 — e o envelhecimento da população reduzem o contingente de jovens disponíveis, pressionando salários e exaurindo o “bônus demográfico”.
Setores mais atingidos
Tecnologia da informação — Segundo a Korn Ferry, faltam profissionais em engenharia de software, cibersegurança e inteligência artificial. Na pesquisa da BDO, 34% dos executivos de tecnologia, mídia e telecomunicações citam a escassez de talentos como um dos maiores desafios.
Indústria automotiva — Em meio à eletrificação e digitalização, a consultoria Robert Half aponta déficit de engenheiros de software embarcado e técnicos de manutenção de veículos híbridos. Salários abaixo do exigido para essas funções dificultam a atração de profissionais.
Óleo e gás — A transição energética exige, simultaneamente, técnicos para operações tradicionais e especialistas em energias renováveis, ampliando a demanda por mão de obra qualificada.

Imagem: Bruno Peres
Infraestrutura — A Associação Brasileira de Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib) calcula que projetos já estruturados poderiam somar R$ 800 bilhões em investimentos, mas a falta de mão de obra especializada ameaça a execução.
Indústria náutica — Responsável por 70% da produção brasileira, Santa Catarina sente a ausência de técnicos em laminação, elétrica e montagem. “O país ainda não possui curso específico ou rede de capacitação para o setor”, afirma Fernando Assinato, CEO do Grupo Armatti & Fishing.
Bares e restaurantes — Dados da Abrasel indicam que 90% dos empresários enfrentam dificuldades de contratação; a rotatividade chega a 74,3%, mais que o dobro da média de serviços, segundo Daniella Ishikawa, da iHungry Tecnologia.
Construção — Estudo da BDO revela que 39% dos executivos do setor imobiliário citam a falta de talentos como preocupação central, em meio a alta rotatividade e pressão por salários maiores.
Sem uma solução para a formação e retenção de profissionais, empresas afirmam que planos de expansão permanecerão em compasso de espera, apesar do atual cenário de pleno emprego no país.
Com informações de Gazeta do Povo