Novos diálogos atribuídos a assessores do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), indicam que a estrutura do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) teria sido mobilizada para coletar provas contra detidos pelos atos de 8 de janeiro de 2023.
Gabinete paralelo de inteligência
De acordo com a apuração dos jornalistas David Ágape e Eli Vieira, divulgada nesta segunda-feira (4) no site Public do jornalista Michael Shellenberger, Moraes teria coordenado, a partir de seu gabinete, uma força-tarefa que reunia servidores do STF e do TSE — corte que ele presidia na época. O grupo se comunicava por WhatsApp e produzia relatórios sobre alvos específicos com base em publicações em redes sociais e conversas em grupos privados.
As mensagens apontam que a chefia das operações ficou com Cristina Yukiko Kusahara, chefe de gabinete de Moraes no STF, responsável por criar e administrar o grupo de WhatsApp. Participaram ainda Eduardo Tagliaferro, então chefe da Unidade Especial de Combate à Desinformação do TSE; o juiz auxiliar Marco Antônio Martins Vargas; e o assessor judicial Airton Vieira, encarregado das audiências de custódia dos envolvidos.
“Certidões” a partir de redes sociais
Segundo os diálogos, a força-tarefa emitia “certidões informais” baseadas em comentários, curtidas e compartilhamentos em Facebook, Instagram, Twitter, TikTok, YouTube, Telegram e Gettr. A classificação “certidão positiva” — aplicada quando algum conteúdo era considerado antidemocrático — ajudava a manter a pessoa presa e, conforme a reportagem, não era enviada à defesa nem ao Ministério Público.
Colaboradores externos, como ativistas, universidades e agências de checagem, teriam sido recrutados para infiltração em grupos de bate-papo. As autorizações, dizem as mensagens, eram encaminhadas a Moraes por e-mail em sua conta pessoal, fora dos canais institucionais.
Fluxo acelerado e dados sem cadeia de custódia
Os arquivos revelam que listas de detidos, contendo nomes, fotografias e números de identidade, circulavam entre servidores e policiais sem registro formal. As “certidões” eram geradas, canceladas e refeitas em questão de minutos, mostram as conversas.
Casos citados
- Um caminhoneiro foi acusado de tentativa de abolição violenta do Estado democrático de direito após publicações no Facebook que criticavam o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e questionavam o resultado das eleições de 2022. Ele não participou dos atos de vandalismo, mas ficou preso por 11 meses e 7 dias.
- Outro homem foi detido por uma única postagem no Instagram: “Fazer cumprir a Constituição não é golpe”.
- Um vendedor ambulante de 54 anos, que chegara ao acampamento em frente ao Quartel-General do Exército apenas para vender bandeiras e camisetas, também acabou preso.
Divergência com a PGR
Em um dos diálogos, Cristina Kusahara relata que a Procuradoria-Geral da República (PGR) recomendara liberdade provisória para parte dos detidos, mas que Moraes só concordaria após a análise completa das redes sociais dos envolvidos.
A Gazeta do Povo informou ter procurado STF e TSE para comentar as revelações, mas não havia recebido resposta até a publicação desta reportagem.
Com informações de Gazeta do Povo