O número de processos na Justiça do Trabalho voltou a crescer com força após o Supremo Tribunal Federal (STF) derrubar, em 2021, a cobrança de honorários da parte perdedora que possui gratuidade de justiça. De janeiro a junho de 2025, foram protocoladas 1,150 milhão de ações na primeira instância, contra 1,044 milhão no mesmo período de 2024. Mantido o ritmo, a projeção é de 2,3 milhões de processos até dezembro, superando os 2,1 milhões registrados no ano passado.
Reforma de 2017 havia reduzido litígios
A reforma trabalhista aprovada em 2017, no governo Michel Temer (MDB), alterou regras processuais e exigiu que quem recebesse acima de 40% do teto do INSS comprovasse insuficiência financeira para obter gratuidade. Também determinou que a parte vencida arcasse com honorários advocatícios e custas. Com isso, o volume de ações caiu do recorde de 2,7 milhões em 2016 para 1,7 milhão em 2018 e chegou a 1,4 milhão em 2020.
Estudo de pesquisadores da USP e do Insper atribuiu à maior segurança jurídica proporcionada pela reforma a criação de 1,7 milhão de postos de trabalho entre 2017 e 2022.
STF considerou cobrança inconstitucional
Em 2021, o STF julgou inconstitucional o artigo que obrigava beneficiários da justiça gratuita a pagar honorários de sucumbência. Para a Corte, a medida feria o acesso amplo ao Judiciário. “O Supremo reabriu a porta para que as pessoas entrem com ações sem risco de arcar com despesas processuais”, afirma o advogado trabalhista Paulo Renato Fernandes da Silva, professor da Fundação Getulio Vargas (FGV-SP).
Segundo Danielle Blanchet, sócia do escritório Rocha Pombo, Andrade, Capetti & Carneiro, “o receio de ter de pagar honorários em caso de derrota praticamente desapareceu, e estamos voltando à situação pré-reforma”.
TST ampliou concessão automática da gratuidade
Outro impulso veio do Tribunal Superior do Trabalho (TST), que em 2024 passou a conceder gratuidade automaticamente a quem ganha menos de 40% do limite dos benefícios do INSS (cerca de R$ 9 mil). Quem recebe acima desse valor também pode ser contemplado mediante simples declaração de hipossuficiência.
“Tem sido muito fácil obter a gratuidade”, diz Blanchet. “Mesmo empregados com salários altos ou já recolocados conseguem o benefício, e a parte contrária raramente apresenta prova em sentido contrário.”
Casos extremos e impacto nas contas públicas
Levantamento coordenado pelo sociólogo José Pastore, da USP, identificou beneficiários que declararam possuir dois BMW avaliados em R$ 800 mil cada e uma Harley-Davidson de R$ 240 mil, além de um bancário com salário de R$ 43,6 mil que recebeu R$ 960 mil após ação judicial com custos pagos pelo Estado.

Imagem: Pedro França
Entre 2019 e 2024, 79,8% dos pedidos de gratuidade foram atendidos apenas com autodeclaração, provocando perda estimada de R$ 5,59 bilhões em custas e de R$ 300 milhões em honorários periciais para os cofres públicos.
Estudos preveem reflexos no emprego
Pesquisadores da USP e do Insper calculam que a obrigatoriedade de pagar despesas processuais, mantida de 2017 a 2021, ajudou reduzir a taxa de desemprego em 1,7 ponto percentual. A revogação parcial pelo STF tende, segundo o estudo, a diminuir esses ganhos.
Debate sobre ativismo judicial
Pastore atribui o aumento de ações ao “ativismo judicial e paternalismo” na Justiça do Trabalho. Para ele, súmulas e decisões acabam se sobrepondo à legislação. Já Paulo Renato Fernandes aponta “resistência de parte do Judiciário Trabalhista em cumprir a reforma”.
O STF ainda não concluiu o julgamento que discute a validade da autodeclaração de pobreza, paralisado por pedido de vista do ministro Gilmar Mendes. Mesmo assim, a isenção de honorários para beneficiários da justiça gratuita permanece em vigor, sustentando a escalada de processos.
Com informações de Gazeta do Povo