O governo brasileiro elevou o tom na disputa comercial com Washington. Em 29 de agosto de 2025, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva autorizou o Itamaraty a abrir o processo de aplicação da Lei de Reciprocidade Econômica contra os Estados Unidos, reação direta ao aumento de tarifas determinado pelo presidente norte-americano Donald Trump.
Desde 6 de agosto, um imposto de 50% incide sobre diversos produtos brasileiros. O “tarifaço” fez a tarifa média cobrada pelos EUA saltar de 1,3% no fim de 2024 para 30,9%, segundo o BTG Pactual. Apesar de quase 700 exceções, cálculos da Amcham Brasil indicam que 55,6% das exportações do país estão cobertas pela medida.
Trump justificou a elevação alegando ameaças à segurança econômica e nacional dos EUA, citando supostos abusos de autoridade do ministro do STF Alexandre de Moraes e perseguição ao ex-presidente Jair Bolsonaro.
O que prevê a Lei de Reciprocidade
Sancionada em abril e regulamentada em julho, a lei permite ao Brasil suspender concessões comerciais, investimentos e obrigações de propriedade intelectual sempre que ações unilaterais de outro país prejudiquem a competitividade nacional. O procedimento completo pode durar até 210 dias, mas prazos podem ser encurtados diante da urgência.
Principais etapas:
- Submissão à Camex: o Itamaraty envia o pedido; a Câmara de Comércio Exterior tem 30 dias para verificar se as medidas americanas se enquadram na legislação.
- Notificação a Washington: o governo brasileiro comunica oficialmente o início do processo.
- Grupo interministerial: se houver enquadramento, representantes de vários ministérios discutem possíveis contramedidas, que podem incluir restrições a importações, suspensão de concessões e de direitos de propriedade intelectual.
- Consulta pública: a proposta preliminar fica aberta por até 30 dias para manifestações de partes interessadas.
- Decisão final: o Conselho Estratégico da Camex delibera em até 60 dias, prorrogáveis por igual período.
- Contramedidas provisórias: em situações excepcionais, o Executivo pode adotá-las antes do rito ordinário, sob coordenação do Comitê Interministerial de Negociação e Contramedidas Econômicas e Comerciais (Cincec).
O chanceler Mauro Vieira comparou a legislação brasileira à Seção 301 norte-americana, ressaltando que o instrumento busca proteger o interesse nacional e, ao mesmo tempo, manter canais de diálogo abertos.
Risco de nova escalada
No decreto que instituiu a tarifa de 50%, Trump já previu reação proporcional caso o Brasil adote retaliações, mencionando a possibilidade de elevar o imposto para até 100%. A diretora de macroeconomia da Tendências Consultoria, Alessandra Ribeiro, avalia que uma alíquota desse porte poderia inviabilizar as vendas brasileiras aos EUA, com impacto direto na indústria de transformação e no agronegócio.

Imagem: Ricardo Stuckert
Analistas também apontam riscos adicionais, como eventuais sanções financeiras amparadas pela Lei Magnitsky, multas a bancos brasileiros que desrespeitarem restrições americanas, exclusão do Brasil do sistema Swift e até congelamento de reservas internacionais em dólar. Embora o secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Dário Durigan, tenha recebido sinalização do consórcio Swift de que não atenderia a decisões unilaterais dos EUA, o temor permanece.
Contexto interno
A disputa ocorre em meio a juros elevados e aumento de pedidos de recuperação judicial. No primeiro semestre de 2025, 4.965 empresas recorreram ao procedimento, alta de 17,6% em relação ao mesmo período do ano anterior, segundo a RGF Associados. A expectativa é de que o tarifaço agrave o cenário econômico.
O Palácio do Planalto acredita que a abertura do processo pela Lei de Reciprocidade pode estimular negociações antes do julgamento de Jair Bolsonaro, marcado para as próximas semanas, mas admite que o ambiente permanece imprevisível.
Com informações de Gazeta do Povo